O registro de marcas, um processo fundamental para a proteção da propriedade intelectual (mais especificamente a industrial), está passando por uma transformação significativa com o advento da IA.
Tradicionalmente, esse processo envolve uma série de etapas manuais e demoradas, desde a busca de anterioridade do nome pretendido até a análise de distintividade e o acompanhamento do processo junto ao órgão competente, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
No entanto, a crescente influência da IA no campo jurídico está revolucionando a maneira como se lida com o registro e a proteção das marcas.
Atualmente, ela já é aplicada em várias etapas do processo de registro de marcas, trazendo eficiência e precisão sem precedentes: sistemas de busca e análise de anterioridade alimentados por IA são capazes de vasculhar enormes bancos de dados de marcas registradas em questão de segundos, identificando possíveis colidências com muito mais acurácia do que os métodos tradicionais.
Além disso, a automação de procedimentos administrativos, como o preenchimento de formulários e o acompanhamento de prazos, está reduzindo significativamente o tempo e os custos associados ao registro de marcas.
Mas não para por aí. Com a inteligência artificial chamada generativa, já disponível e cada vez mais difundida e acessível (a exemplo do Chat GPT-3), é possível utilizar a tecnologia para criar logotipos e nomes de marcas – o que, por óbvio, levanta questões interessantes exatamente sobre… propriedade intelectual!
Afinal, nenhuma grande revolução vem sem desafios legais e éticos.
Pode-se seguir falando em propriedade “intelectual” quando o resultado não provém de uma atividade humana?
E ainda, quem deteria os direitos sobre uma marca totalmente criada por um algoritmo? O criador do algoritmo, a empresa que o utiliza ou o usuário que forneceu os parâmetros para a criação?
Perguntas como essas ainda não têm respostas definitivas e provavelmente exigirão adaptações nas legislações vigentes, a nível mundial.
Além disso, há preocupações sobre a responsabilidade legal em casos de erros cometidos por sistemas de IA. Se um sistema falhar em identificar um conflito de marca, quem será responsabilizado? O desenvolvedor do software ou o profissional que manejou a pesquisa?
Outro aspecto crucial é a proteção de dados e privacidade. Os sistemas de IA para análise de marcas frequentemente processam grandes volumes de dados, incluindo informações potencialmente sensíveis sobre empresas e indivíduos.
Nesse cenário, garantir a segurança desses dados e cumprir regulamentações como a LGPD entram como providências fundamentais para a adoção generalizada dessas tecnologias.
Apesar desses desafios, a IA apresenta benefícios significativos para advogados e escritórios de propriedade intelectual. Sem dúvidas, a tecnologia pode melhorar drasticamente a eficiência e precisão do trabalho, permitindo que os profissionais se concentrem em tarefas de maior valor agregado, como criação de estratégias e aconselhamento aos clientes.
Além disso, estão surgindo novas áreas de especialização, como o próprio Direito da IA aplicado a marcas, que oferecem oportunidades de diferenciação no mercado.
A redução de custos e tempo no processo de registro também pode tornar esses serviços mais acessíveis a um número maior de pessoas físicas e jurídicas, potencialmente expandindo o mercado.
Olhando para o futuro, é inevitável que se veja uma evolução ainda mais significativa no uso da IA para o Direito Marcário. Podem-se esperar sistemas cada vez mais sofisticados, capazes de prever tendências de mercado e até mesmo antecipar possíveis disputas de marcas.
Paralelamente, é desejável que se vejam mudanças na legislação para acomodar esses avanços tecnológicos, possivelmente incluindo novas categorias de proteção para criações feitas por IA ou regulamentações específicas para o uso de IA em atividades criativas.
No entanto, é importante notar que, mesmo em um ambiente cada vez mais automatizado, o papel do advogado especialista continuará sendo crucial. A interpretação de resultados gerados por máquinas, a navegação por questões éticas complexas e a formulação de estratégias de proteção de marca ainda exigirão o julgamento humano e a expertise legal.
Em conclusão, a integração da IA no processo de registro de marcas representa tanto um desafio quanto uma oportunidade para o campo da propriedade intelectual (aqui o enfoque foi na propriedade industrial, mas a discussão estende-se aos direitos autorais, outra espécie do gênero).
À medida que a humanidade adentra essa nova era, a sinergia entre a inteligência artificial e a expertise humana não apenas redefinirá o panorama do registro e proteção de marcas, como também abrirá portas para um futuro no qual a inovação tecnológica e a sagacidade jurídica se entrelacem, criando um ecossistema de propriedade intelectual mais robusto, eficiente e justo.
O desafio que se apresenta não é meramente se adaptar, mas sim liderar essa transformação, moldando ativamente uma realidade na qual a tecnologia cada vez mais amplifique o insubstituível toque humano.
Fonte: Migalhas