O programa Microempreendedor Individual (MEI) foi criado no Brasil em 2009 com o intuito de melhorar a vida dos trabalhadores autônomos informais, mas desde 2017 vem mostrando uma outra realidade. Um estudo da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que mais da metade dos cerca de 17 milhões de MEI do Brasil não são microempreendedores, mas sim pessoas que trabalham para empresas que preferiram contratá-los como MEI para reduzir custos trabalhistas – a chamada “pejotização” via MEI.

Desde a Reforma Trabalhista promulgada em 2017, pelo então presidente Michel Temer, o número de MEIs no Brasil praticamente dobrou. Desde então, o conceito de empreendedor vem sendo distorcido. O que se observa é o desespero econômico por parte da população que precisa trabalhar, o que faz com que muitos optem pelo trabalho autônomo ou aceitem ser contratados como PJ.

Ao mesmo tempo, esse instrumento passou a ser usado por empresas para burlar a legislação, retirar direitos e precarizar o trabalho. Embora contratem profissionais como autônomos, os empregadores forçam esses trabalhadores a exercerem uma jornada fixa ou trabalho contínuo, como no regime CTL (com carteira assinada). Eles prestam serviços como se fossem trabalhadores formais comuns, mas são contratados como MEIs e, assim, não recebem direitos como férias e 13º salário. A empresa troca a qualidade do trabalho pela precarização, de olho na redução de custos.

Relatos

Ao Jornal Opção, uma fonte que preferiu manter anonimato, revelou para aceitar uma vaga de trabalho precisou abrir um MEI para ser contratada. Devido à necessidade, acabou aceitando. “Te pedem para abrir um MEI, ou você abre e aceita as condições ou fica sem emprego. É muito complicado porque a gente precisa trabalhar, né? Ninguém quer passar por isso, mas as necessidades financeiras são maiores que a nossa vontade”, afirmou.

Outro entrevistado, que também preferiu não se identificar, afirmou que trabalhava como MEI em uma empresa com relações de trabalho totalmente caracterizadas pela CLT. Ele afirma que precisou se afastar por motivos médicos e que quando voltou, foi dispensado.

“Eles simplesmente estão burlando a CLT. Cumpria horários, muitas vezes até além do combinado, trabalhava aos finais de semana, não recebia hora extra, 13º, nada. Para piorar, precisei fazer uma cirurgia, tive custos altos, eles não me pagaram nenhum dia sequer em que fiquei de atestado e ainda contrataram outra pessoa para o meu lugar. Quando voltei, em um momento em que mais precisava, fui demitido”, revelou.

Uma das conclusões do estudo da FGV é que o Brasil poderia aumentar a arrecadação tributária se reduzisse a carga legal sobre a folha de pagamentos (o efeito seria via estímulo à formalização pela menor carga). O resultado encontrado foi de que o Simples de fato contribuiu para a formalização, pela diluição dos custos da formalidade para a empresa, mas houve um efeito negativo, maior que o positivo, de empresas que produzem e contratam menos do que podem, para se manter no limite do Simples.

 

O que diz a legislação

“Claramente é uma abordagem que visa evitar encargos como 13º salário, férias, adicional de férias, INSS e FGTS. É uma clara tentativa de burlar o contrato de trabalho padrão, que exige que a pessoa seja uma pessoa física e esteja subordinada, entre outros requisitos, ou mesmo a terceirização lícita”, avalia.

Murilo Chaves destaca ainda que o modelo de contratação não se assemelha nem mesmo ao contrato temporário, uma vez que representa uma abordagem em que uma empresa, ao invés de empregar um trabalhador como pessoa física (CLT), opta por contratá-lo por meio de seu CNPJ. “Novamente uma prática que busca terceirizar os serviços, embora não envolva formalmente uma empresa terceirizada”, ressalta Murilo Chaves.

 

O que prioriza o STF

O advogado Murilo Chaves avalia que mesmo o Superior Tribunal Federal (STF) tendo seguindo entendimento predominante de que a pejotização é ilícita, observa-se um aumento notável nesse tipo de contratação, especialmente para cargos de gestão.

Murilo Chaves destaca que quando se contrata uma empresa para prestar serviços, a ideia é de que a empresa contratada designe um funcionário para executar a função. E o que tem havido, são pessoas físicas sendo contratadas com CNPJ para executar subordinações previstas no regime CLT.

“Isso está errado, mas esse fenômeno, embora considerado irregular, destaca-se como uma prática crescente, demandando atenção para os aspectos relacionados à pejotização, mesmo em contraposição às características regulares de um empregador CLT. O contrato PJ é lícito desde que atenda os requisitos do PJ. Contudo, empresas usam dessa licitude para contratar ‘funcionários’ subordinados”, destaca.

[ Fonte: jornalopcao.com.br ]