Nos últimos anos, o cenário empresarial brasileiro tem sido marcado por escândalos de corrupção e outras práticas ilícitas que, inclusive, colocaram à prova a eficácia dos mecanismos de controle e prevenção de crimes dentro das grandes corporações.
Em resposta a esse desafio, a adoção de programas de compliance penal emergiu como uma solução para – estrategicamente -, prevenir e mitigar riscos criminais, assegurando que as empresas operem dentro dos limites legais.
A título explicativo, o termo compliance origina-se do verbo inglês “to comply”, que significa estar em conformidade, ou seja, seguir de maneira adequada as normas e regulamentos, tanto nacionais quanto internacionais.
Seria uma tendência que virou fato ou um fato que virou tendência? A resposta reside na importância do Compliance Penal neste contexto “abrasileirado”, onde destacam-se a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e, sobretudo, como esses programas podem influenciar na tomada de decisões jurídicas e empresariais.
No que tange a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tem-se que ela foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal, sendo posteriormente regulamentada pela lei de crimes ambientais (lei 9.605/98) e pela lei anticorrupção (lei 12.846/13). Tais regramentos legais, estabeleceram que as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas penalmente por atos ilícitos cometidos em seu interesse ou benefício.
Ao encontro disso, um dos marcos históricos mais significativos para o compliance penal no Brasil foi a promulgação da lei de lavagem de dinheiro (lei 9.613/98). Essa legislação impôs a várias entidades, incluindo as instituições bancárias, a obrigação de estabelecer sistemas preventivos para combater fraudes e desvio de recursos, com o objetivo de evitar sanções penais e administrativas, além de proporcionar maior segurança em suas operações comerciais.
No entanto, a responsabilização penal das empresas no Brasil ainda enfrenta desafios, especialmente no que se refere à aplicação prática dessas normas. Cita-se aqui, por exemplo, a necessidade de distinção entre a responsabilidade individual dos dirigentes e a da empresa, e, ainda, a integração dos programas de compliance na mitigação dessa responsabilidade são questões que exigem uma análise cuidadosa.
Sobre isso, Marinella, Paiva e Ramalho explicam que:
“A nova lei 12.846/13 atua na responsabilização da pessoa jurídica que solicitou a vantagem ilícita ou, de outra forma, foi beneficiada pelo ato improbo. Saliente-se que a nova lei amplia consideravelmente seu campo de atuação ao autorizar a punição mediante a responsabilidade objetiva, o que significa dizer que basta o envolvimento de uma pessoa jurídica em ato supostamente lesivo à administração pública, independentemente de culpa ou dolo, que já é possível incidir sobre ela as severas sanções previstas.”
Nessa linha, faz-se necessário contextualizar o chamado compliance penal. Trata-se de um conjunto de medidas internas adotadas por uma empresa para garantir o cumprimento das normas legais e regulamentares, prevenindo assim, a prática de crimes no ambiente corporativo.
Notadamente, esses programas são compostos por políticas, procedimentos e controles que visam identificar, avaliar e mitigar riscos criminais, promovendo uma cultura de ética e integridade. Mas isso não seria o mínimo a ser feito em ambientes profissionais de grandes corporações? Cada vez mais: sim!
Em seu Guia Prático de Compliance, Isabel Franco destaca que:
“A necessidade de uma estrutura de compliance e governança na companhia, ainda que não possua capital aberto, se explica pela análise que o departamento faz não só da legalidade das ações internas, mas também para verificar se os atos estão de acordo com os valores e princípios da companhia, de forma a estabelecer um padrão lídimo de conduta interna.”
Assim, entre os elementos essenciais de um programa de compliance penal eficaz, destacam-se cinco pontos nevrálgicos. O primeiro diz respeito ao “comprometimento da alta direção”, onde a liderança da empresa deve estar comprometida com a implementação e manutenção do programa, garantindo que todos os funcionários compreendam sua importância.
Em segundo lugar, é preciso “mapear os riscos criminais” específicos a determinado setor e às operações da empresa, permitindo a adoção de medidas preventivas adequadas ao tema.
Depois, a empresa deve adotar “políticas e procedimentos” como forma de estabelecer diretrizes claras que orientem a conduta dos funcionários e, também, os procedimentos que assegurem a plena conformidade com as leis.
Não obstante, é imprescindível que haja investimento em “treinamento e comunicação”, onde a educação contínua dos funcionários sobre as normas legais e os procedimentos internos, vão promover a proposta e esperada cultura de compliance.
Em quinto lugar, sublinha-se a necessidade rigorosa de “monitoramento e auditoria, objetivando uma eficaz revisão periódica das práticas de compliance para identificar possíveis falhas e áreas de melhoria.
Dito isso, é possível exemplificar essa eficácia dos programas de compliance penal no tabuleiro do processo penal. Em casos de corrupção, por exemplo, empresas que adotaram robustos programas de compliance foram capazes de atenuar suas penalidades, demonstrando aos atores da Persecução Penal que adotaram medidas razoáveis para evitar a ocorrência de ilícitos.
É o caso da Operação Lava Jato, onde empresas que cooperaram com as investigações e que possuíam programas de compliance foram vistas de forma mais favorável pelas autoridades. Aqui, revela-se a importância do compliance não apenas como uma ferramenta preventiva, mas também como um elemento mitigador na responsabilização penal.
Entretanto, apesar dos avanços sobre o tema, a implementação de programas de compliance penal no Brasil ainda enfrenta desafios significativos. Isso, porque a cultura empresarial brasileira, muitas vezes, não encara a ética corporativa como um valor a ser praticado; muito menos como estratégia.
Outrossim, há certa resistência interna à adoção de controles mais rigorosos em alguns ambientes corporativos (públicos e privados). Além disso, a falta de clareza nas regulamentações, a inconsistência na aplicação das leis e, sobretudo, o pensar estrategicamente, acabam dificultando a criação de um ambiente de Compliance Penal nos negócios.
Não obstante, é bem verdade que o fortalecimento dessa cultura de compliance penal no Brasil depende de uma mudança cultural nas empresas, com um maior compromisso da alta direção e uma abordagem proativa na prevenção de crimes, como já exposto.
Quanto a isso, André Carvalho aponta em seu Manual de Compliance que:
“Não é difícil observar que um conceito confere maior ênfase a um ponto de vista ou a um elemento específico. Isso se deve, em parte, à variada gama de profissionais que se envolvem com o assunto governança corporativa, como administradores, economistas, contadores, profissionais com formação jurídica. Cada qual, com seu enfoque de formação específico e experiência, observa o fato e vislumbra elementos familiares. Essa prática não é prejudicial. Ao revés, parece-nos extremamente saudável, na medida em que é possível colher contribuições a partir de experiências diversas e possibilitar uma visão mais ampla do assunto e o amadurecimento da governança corporativa”.
Desa feita, portanto, o compliance penal vem se mostrando um instrumento essencial para a prevenção e mitigação de crimes empresariais no Brasil, pois ao adotar programas robustos e eficazes, as empresas tendem não apenas proteger a si mesmas das penalidades legais, mas também contribuem para a construção de um ambiente de negócios mais ético e transparente.
É o que aponta o conceito de programa de integridade é regulamentado pelo decreto 11.129/22, onde estabelece que:
“Art. 56: Para fins do disposto neste decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de:
prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira;
fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional.
Parágrafo único: O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e os riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e a adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.”
Por essa razão, a elaboração de um programa de integridade e conformidade deve ser feita de maneira independente, sendo ela, a independência, um dos requisitos do programa de compliance, conforme estabelece o art. 57 do mesmo decreto:
“Art 57: Para fins do disposto no inciso VIII do caput do art. 7º da lei 12.846/13, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e pela fiscalização de seu cumprimento;”
Eis o desafio que se apresenta: superar paradigmas institucionais na implementação consistente do Compliance Penal alinhando-o com as melhores práticas internacionais de integridade e legalidade. Tudo em busca da ética; de preferência, com estratégia jurídica.
Fonte: Migalhas