Hoje vivemos em uma era em que tudo é virtual, ouvimos dizer que aquela pessoa ou empresa que não está na internet, simplesmente não existe. A tendência de estar online vai pulverizando até chegar no “mundo jurídico”. Com isso, a nova tendência de formalização dos negócios se dá de forma eletrônica, e para que esses possam ser assinados dessa forma, criaram-se os contratos eletrônicos.
O contrato assinado por via eletrônica permite uma agilidade e efetividade, se comparado ao formato manual, pode-se dizer que inclusive economicamente o meio eletrônico se demonstra com pontos infinitamente positivos. O contrato assinado por via eletrônica permite que as partes, estando em qualquer lugar do mundo, possam assinar a qualquer tempo, formalizando aquele negócio jurídico em questões de minutos. Mas esse meio é válido? É seguro?
Para responder aos questionamentos, precisaremos entender quais são as formas que hoje são admitidas as assinaturas eletrônicas, bem como entender como elas funcionam.
Pode-se dizer que admissibilidade da assinatura eletrônica não é nova – ela se deu através de uma Medida Provisória feita há 19 anos. Isso significa que há 19 anos o legislador pensou que as relações pudessem ser efetivadas através da via eletrônica.
A Medida Provisória 2.200-2 editada em 2001, instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil), disciplinando a assinatura eletrônica e garantindo efetividade e validade jurídica aos documentos eletrônicos, conforme artigo 1º da MP:
Art. 1o Fica instituída a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.
É importante destacar a medida provisória, apesar de ter sido publicada há alguns anos, ainda está em vigor, isso porque, em razão do que expressa o artigo 2º da Emenda Constitucional nº. 32, de 11/09/2001, menciona que:
“Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.”
Como não houve nenhuma medida provisória revogando a MP 2.200-2, ela continua vigente.
Além da Medida Provisória mencionada acima, o Código Civil apesar de não possuir previsões específicas sobre os contratos eletrônicos, de uma forma analógica menciona diversas regras aos contratos tradicionais, que podemos aplicar aos eletrônicos.
Em termos gerais, Assinatura Eletrônica é um termo bem mais abrangente que incluem todos os meios de reconhecimento de autoria de um documento no meio eletrônico, como, por exemplo, biometria, login/senhas, token, comando de voz, bem como assinatura digital. Pode-se dizer que assinatura eletrônica é um gênero, das quais as diversas maneiras de assinar eletronicamente são espécies, conforme ilustrado abaixo:
Existe uma grande confusão de conceitos quando mencionamos sobre assinatura eletrônica e assinatura digital. Embora correlacionadas existem diferenças entre elas. Abordaremos a diferença entre elas a seguir.
Como mencionado, a assinatura eletrônica é gênero, do qual a assinatura digital é espécie.
A assinatura eletrônica é o nome dado a todos os tipos de mecanismos que permitem a assinatura de documentos virtuais com validade jurídica. Já a assinatura digital é uma espécie de assinatura eletrônica que se utiliza de criptografia para associar o documento assinado e identificar o autor da assinatura. Para que um documento seja assinado digitalmente é preciso existir um certificado digital emitido por uma das autoridades associadas à ICP-Brasil.
Por passar por maiores critérios de identificação do usuário, pode-se dizer que a assinatura digital é a mais segura das assinaturas eletrônicas. No entanto, hoje, as plataformas que fornecem os serviços de assinatura eletrônica de uma forma geral, garantem a validade jurídica, uma vez que também utilizam uma série de combinações de diversos pontos de autenticação para garantir a autenticidade e integridade dos documentos assinados, como, por exemplo, o bloqueio de edição, registro do endereço de IP, geolocalização e vinculação ao e-mail do signatário, dentre outros.
A MP que trouxe a validade da assinatura eletrônica reconheceu como válido os documentos assinados de ambas as formas:
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil. (Atual artigo 219 CC).
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
No entanto, conforme o próprio parágrafo segundo, os documentos que não forem assinados utilizando o processo de certificação do ICP Brasil, deverão ser admitidos pelas partes.
Portanto, pode-se concluir que embora a utilização da assinatura digital através da certificação ICP-Brasil acarrete em presunção de veracidade com relação à autoria da assinatura no documento, não sendo permitido ao titular do certificado alegar que a assinatura feita não foi por ele realizada, conferindo grande segurança às assinaturas realizadas por meio de tal certificação, a legislação brasileira expressamente também reconheceu como válidos os contratos eletrônicos assinados por outros meios, que não a assinatura ICP-Brasil.
Assim, trata-se de níveis de segurança conferidas às assinaturas eletrônicas, com maior ou menor grau com relação à autenticidade. Muito embora esses níveis também existam nas assinaturas físicas, uma vez que quando se assina um documentos e não reconhecemos firma, por exemplo, está sujeito à discussão de autenticidade daquela assinatura, uma vez que uma assinatura simples tem menor segurança do que aquela com assinatura com reconhecimento de firma em cartório.
Dessa forma, os contratantes daquela relação jurídica podem avaliar o montante envolvido dentro da operação que está ocorrendo, de forma a decidir quais serão os mecanismos adotados para realizar a assinatura eletrônica.
Importante destacar que, a despeito da Medida Provisória, o Código Civil e o Código de Processo Civil já admitiam os documentos eletrônicos como meios hábeis de prova, conforme artigos mencionados abaixo:
Art. 225 – Código Civil. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
Art. 369 – Código de Processo Civil. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Art. 371 – Código de Processo Civil. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.
Somadas as legislações vigentes à MP, os Tribunais de Justiça reconheceram a validade dos contratos eletrônicos de uma forma geral, no entanto, é importante destacar que quando não assinados de forma digital, será necessário ser possível a identificação de quem assinou.
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS – REVELIA – EFEITOS – EXAME DO EXTRATO PROBATÓRIO -MENSALIDADES ESCOLARES – INADIMPLÊNCIA – – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO- CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA – MULTA – ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL EXPRESSA – OBSERVÂNCIA DO LIMITE PERCENTUAL ESTABELECIDO NO CDC – TERMO INICIAL. (…)
Isso porque o requerimento de matrícula noticiado naquele documento foi realizado de forma eletrônica – gerando um código individualizado de adesão (fl. 20) -, o que, na atualidade, constitui prática comum, aceita e bastante difundida. (…)
Não resta dúvida, então, que, preenchidos os requisitos já lembrados acima – e que são, em última análise, inerentes a qualquer documento -, os contratos eletrônicos servem como meio de prova de relações jurídicas, e se prestam como meios hábeis a criar e representar vínculos entre partes. Servem como contratos, pois. (…)
O contrato de prestação de serviços, juntado aos autos, ainda que desprovido de assinatura da ré, é suficiente para provar a realização do ajuste, visto que os documentos eletrônicos gozam de valor probante e o doc. de f. 06-09 demonstra que a requerida efetivamente aderiu ao aludido contrato, via internet. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.13.305777-8/001, Relator(a): Des.(a) Roberto Vasconcellos , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/09/2015, publicação da súmula em 10/09/2015).
CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. EMPRÉSTIMO ELETRÔNICO. Existência de prova documental do crédito do valor mutuado na conta corrente do réu. Omissão do banco na exibição de cópia do contrato eletrônico de mútuo que não poderá acarretar a inexigibilidade do valor efetivamente disponibilizado ao devedor, inviabilizando tão somente o emprego dos encargos financeiros alegadamente pactuados, aplicando-se a correção monetária oficial, os juros legais de mora e os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN, para a operação de crédito da espécie, com a ressalva de que deverá prevalecer a taxa praticada pela instituição financeira caso seja mais favorável ao tomador do empréstimo. Capitalização dos juros afastada. Sentença reformada. Pedido inicial julgado parcialmente procedente. Recurso provido, em parte. (TJ-SP – APL: 9098531562009826 SP 9098531-56.2009.8.26.0000, Relator: João Camillo de Almeida Prado Costa, Data de Julgamento: 18/06/2012, 19ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/06/2012)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. RESOLUÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS FIRMADO VIA INTERNET. VALIDADE. EXISTÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE. NECESSÁRIA INTIMAÇÃO CONCOMITANTE DO ADVOGADO. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. APELO PROVIDO.
I – O contrato de prestação de serviços formalizado eletronicamente é plenamente válido e capaz de gerar todos os efeitos de prova em processo judicial.
(…)
(TJMA – Apelação Cível 0242112012, Relator(a): Des.(a) MARIA DAS GRAÇAS DE CASTRO DUARTE MENDES, QUINTA CÂMARA CÍVEL. Julgado em 20/07/2012)
Uma das decisões mais importantes, foi a do Superior Tribunal de Justiça proferida em Maio/2018 (Resp nº 1495920), que reconheceu a validade do contrato com assinatura eletrônica por meio digital, na qual o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso, asseverou que:
“A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados”.
De todo o exposto é possível verificar, portanto, que documento físicos e eletrônicos, emitidos de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro vigente, possuem a mesma eficácia probatória, em razão de o sistema processual brasileiro permitir uma diversidade de provas, mesmo aquelas não especificadas em lei. Essa previsão legal é muito importante pois o cenário atual nos leva a crer que, com as relações sendo cada vez mais virtuais, os meios de serem firmados negócios também deverá ser.
Artigo desenvolvido por Dra. Raquel de Mello Azevedo